Nesse alvorecer da terceira década do século XXI, eu, médico com mais de seis décadas de vida e quase quarenta anos de profissão, algumas vezes me questiono se estou ou não anacrônico em relação a costumes e comportamentos dos colegas mais jovens e se esses questionamentos se referem puramente a convicções pessoais ou, realmente, refletem preocupação com a dignidade e o respeito que a medicina e a figura do médico merecem e que precisam ser preservados.

Em uma cerimônia ética da mais alta importância, como a entrega de carteiras a novos médicos, seria acertado proibir que colegas de bermudas ou roupas mais sumárias participassem do evento, na sede do CRM? Do mesmo modo, em uma plenária aberta à classe, para discussão de temas de interesse profissional, qualquer roupa seria permitida?

Muitos dirão, sei, que “a roupa não faz o homem” e que as convenções sociais muitas vezes refletem posições incompatíveis com o estágio atual dos hábitos e costumes que regem a sociedade do século XXI. Dirão, ainda, que em uma cidade como Belém do Pará, quente e úmida, o traje deve se adequar ao clima.

A figura do médico, detentora do status de dignidade, seriedade e respeito, ainda tem muito a ver com o traje. Seria aceitável, pela família do doente, um médico fazer uma visita domiciliar a um paciente de bermuda? Ou uma médica fazê-lo com um short sumaríssimo?

Vemos que nos consultórios públicos ou privados, nas unidades de emergência, de internação ou ambulatoriais, o médico, na maioria das vezes, se adequa ao ambiente utilizando um jaleco. Se “a roupa não faz o homem”, por que não usar qualquer traje nesses atendimentos, já que se visualiza muitos médicos utilizando o jaleco até na rua?

O motivo desses questionamentos se relaciona ao fato de que o CRM-PA tem uma portaria que, à semelhança dos tribunais de justiça e da maioria dos órgãos públicos, estabelece quais seriam trajes indesejáveis dentro da instituição, incompatíveis com as atividades ali desenvolvidas. Há, nos quadros do CRM-PA, médicos recém-formados e médicos com mais de cinco décadas de profissão, ambos com direitos semelhantes a frequentar o mesmo ambiente e com conceitos diferentes em relação ao ponto em análise, que é o traje.

Recentemente, chegou ao conhecimento da Presidência, que uma médica tentou entrar no CRM e o guarda a avisou que uma portaria proibia que ela entrasse naqueles trajes. A médica insistiu e o guarda tentou argumentar, novamente, porém a doutora disse que quando ele abrisse o portão para alguém entrar ela entraria.

Uma colega chegou e o portão foi aberto para ela. A pessoa de microshort, em um local bem distante do litoral, forçou a entrada e se dirigiu a uma funcionária solicitando a entrega de um documento, sendo atendida sem comentários.

A classe médica se queixa da falta de respeito com que tem sido tratada por diversos entes públicos nos últimos anos. Eu, Presidente, me preocupo com colegas que tomam atitudes de desrespeito ao seu órgão de classe, atitudes que me permitem pensar que podem ser replicadas na relação médico-paciente, obrigando a que, futuramente, esses profissionais se vejam diante do Tribunal de Ética para se justificar, porém em trajes adequados.

O ímpeto juvenil não pode se sobrepor às instituições, às normas, regulamentos e quaisquer outros dispositivos que têm por objetivo manter a dignidade e o respeito que o médico e a medicina milenarmente merecem e gozam.

Ou seria essa uma posição anacrônica?

Belém, 16 de janeiro de 2020

Manoel Walber dos Santos Silva

Presidente do CRM-PA

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