A atenção à saúde, em qualquer situação, pressupõe a busca do maior benefício ao cidadão e à sociedade como um todo, com os detentores do poder decisório evitando ao máximo rotinas que, de algum modo, dificultem o acesso aos programas e mecanismos diversos envolvidos na prevenção e tratamento dos agravos à saúde, bem como na atenção post mortem, ocasião em que muitas situações conflituosas ainda podem se estabelecer.

O médico, muitas vezes, vê no êxito letal uma possível caracterização de falha no combate à doença e considera que o preenchimento da Declaração de Óbito (DO) pode confirmar uma possível incompetência sua. Entretanto, como disse Edson de Oliveira Andrade, ex-Presidente do CFM, “A morte não é a falência da Medicina ou dos médicos. Ela é apenas uma parte do ciclo da vida. É a vida que se completa”.

As dificuldades de ordem emocional dos médicos são sempre superadas diante do fato de que a atestação da morte e o estabelecimento de sua causa, elementos constituintes da DO, são atos médicos que não podem ser realizados por outros profissionais. Porém, há pacientes institucionais com doenças crônicas ou terminais, em acompanhamento ambulatorial, que vão a óbito no domicílio, cujos familiares enfrentam uma via crucis na obtenção do documento. Em razão disso, percebendo o final da vida, os parentes do enfermo o levam a uma UPA ou à instituição onde este era acompanhado para que aí morra e a DO seja preenchida, privando o moribundo do carinho, das despedidas e do conforto familiar em seus últimos momentos.

Com frequência, quando o óbito ocorre no domicílio, a instituição onde ele era acompanhado não facilita a disponibilização de um profissional que efetue os passos necessários para o fornecimento da DO e o corpo tem que ser levado para o SVO (Serviço de Verificação de Óbitos), após o preenchimento do FEC (Formulário de Encaminhamento de Cadáver) e a assinatura, por pelo menos dois familiares maiores de 18 anos, do TAN (Termo de Autorização de Necrópsia). Nessa situação, o prontuário da instituição possibilita o diagnóstico e todos os dados necessários ao preenchimento da DO e a atuação proativa evitaria a sobrecarga do SVO e diminuiria a ocupação de leitos das UPAs e da própria instituição, que atenderiam melhor a população.

Em 18 de fevereiro passado, o CRM-PA recebeu em plenária representantes da SESPA, SESMA, SINDMEPA, UPA-DAICO, Hospital Ophir Loyola, Hospital da Ordem Terceira, Hospital de Aeronáutica de Belém, IML, SVO, diversos conselheiros de medicina e vários outros profissionais de instituições interessadas na temática relativa a DO e ao SVO, com o assunto discutido em excelente nível de debate.

Causou preocupação, dentre outros, o fato de Belém dispor de apenas seis mesas cirúrgicas voltadas para necrópsia, sendo metade destinada ao IML e metade ao único SVO do Pará, com aumento do trabalho deste último órgão em razão da necessidade de o próprio médico se dirigir à SESMA ou a uma UPA para obtenção e preenchimento, lá mesmo, das vias em branco da DO. Apesar de já caracterizar alguma descentralização, o profissional teria que deixar seu plantão, seu turno de trabalho ou seu consultório, para, além de ir ao domicílio constatar o óbito, obter e preencher o documento em outro local, com prejuízo de sua atuação em favor dos pacientes que teria que deixar esperando ou agendar para outra oportunidade.

A Resolução CFM n° 1779/2005 estabelece a possibilidade de a instituição pública designar equipe ou médico para a constatação do óbito dos pacientes crônicos em regime ambulatorial nela acompanhados e o fornecimento da DO.

Assim, dois pontos abordados seriam de fundamental importância para a minoração do problema. O primeiro seria possibilitar que o médico, deslocando-se apenas ao domicílio para constatar o óbito, envie documento à SESMA solicitando o fornecimento da DO em branco e se comprometendo a utilizá-la apenas na área metropolitana I, devolvendo a via respectiva por meio de uma secretária ou de terceiros por ele determinados. O segundo seria os hospitais públicos revisarem sua conduta, com o estabelecimento das medidas necessárias à constatação do óbito no domicílio sem os transtornos do transporte de um corpo ou de uma necrópsia desnecessária, na maioria das vezes.

O ato médico não se restringe ao ser humano vivo, mas se estende até o ciclo vital se completar. A DO tem grande importância para a família, para os eventos legais, para a saúde pública, para a academia e para a reflexão institucional e pessoal no que se refere ao papel de cada um no maior zelo e dignidade na finitude da vida.

 

Manoel Walber dos Santos Silva

Presidente do CRM-PA

 

 

 

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